outubro 31, 2004



Acordou naquele preciso momento em que o dia desponta e a Natureza, cúmplice do momento, se remete ao silêncio. O vento pára e os pássaros esperam para começar o chilreio. Até os insectos interrompem a sua actividade, como que num ritual de homenagem ao novo dia que começa. Só a chuva caía, miudinha, num gotejar repousante nos beirais da velha casa.

Abriu os olhos, devagarinho, mas ficou imóvel com medo de o acordar. Sorriu enquanto o observava, a respiração compassada a fazer subir e descer o tronco nú a intervalos regulares. O braço dele aninhava-a num abraço que fazia com que a cabeça dela se encostasse no seu ombro. Ela tornou a fechar os olhos e enroscou-se nele ainda mais, a sua perna cruzou as dele. Com o movimento ele acordou, ainda ensonado, olhou-a e sorriu. A sua mão procurou a dela e entrelaçaram os dedos:
_ Princesa..., murmurou ele.

E adormeceram de novo porque, quando se comunga assim, o tempo pára e é-se totalmente livre.

Leonard Cohen

Hoje assisti a uma cena fugaz, mas que me fez lembrar instantaneamente esta música...

"Dance Me To The End Of Love"

Dance me to your beauty with a burning violin
Dance me through the panic 'til I'm gathered safely in
Lift me like an olive branch and be my homeward dove
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love
Oh let me see your beauty when the witnesses are gone
Let me feel you moving like they do in Babylon
Show me slowly what I only know the limits of
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love

Dance me to the wedding now, dance me on and on
Dance me very tenderly and dance me very long
We're both of us beneath our love, we're both of us above
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love

Dance me to the children who are asking to be born
Dance me through the curtains that our kisses have outworn
Raise a tent of shelter now, though every thread is torn
Dance me to the end of love

Dance me to your beauty with a burning violin
Dance me through the panic till I'm gathered safely in
Touch me with your naked hand or touch me with your glove
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love



outubro 30, 2004

Intimidades

Mais um fim de semana, desta vez maior que os outros. Sabe bem chegar a um sábado à noite e não ter que pensar que só falta um dia para entrar no trabalho de novo. Que eu gosto do que faço, note-se. Não gosto é do acomodar que acontece naturalmente ao longo dos anos, do rame-rame diário que, aos poucos, nos vai desmotivando e fazendo com que nos arrastemos, diariamente, para a nossa vidinha de sempre.
Penso que é agora que a tão falada "crise dos 40" se está a instalar em mim. Não no aspecto de sentir que os anos começam a pesar, mas sim numa enorme vontade de começar tudo de novo; noutro local, com outras pessoas, deixar para trás tudo aquilo em que investi todos estes anos e caminhar naquilo que acho que é " em frente". Com todos os riscos, incertezas e angústias que uma viragem deste tipo certamente traz. Mas disso não me apetece falar agora. Sinto vontade de olhar para a minha vida como uma folha em branco que poderei escrever conforme planear, com a ajuda da experiência que a vida me deu até aqui. Pressinto que se aproximam novos desafios que, se por um lado me deixam com medo, por outro me fazem sonhar.
E este é, sim, um post escrito na primeira pessoa.

outubro 27, 2004

Temporal? Que temporal?

Não vi temporal nenhum. Não vi ventos fortes nem chuvas torrenciais, afinal. Não que os deseje, apenas começo a acreditar que , na ânsia de notícias sensacionalistas, os jornalistas desejam verdadeiramente que caiam casas e árvores. Para terem sobre o que falar.

Talvez fosse boa ideia dedicarem-se ao jornalismo humano, introspectivo. Aí sim, descobririam verdadeiras tempestades, daquelas que derrubam pessoas silenciosamente. Sem espaventos, mas de forma muito dolorosa.
Pessoas sensíveis que são sistematica, diariamente fustigadas e aguentam de pé. Fragilizadas, vergam por vezes às más emoções quando não há outras alternativas. Porque as árvores também choram. E não são por isso menos dignas.

Diário

-Ó Ana...
-...
- Ana... Ó Ana!
-...
- Ó Ana, mas tu andas com a cabeça na lua?


( Ah, pois ando).

outubro 26, 2004

Peitorais

Estava eu hoje a ouvir casualmente a rádio local quando o jornalista informou que o tempo se iria agravar, pedindo depois às pessoas que retirarem os vasos das varandas e dos peitorais das janelas.

Garanto que a imagem que visualizei na altura foi suficiente para andar a rir baixinho todo o dia.

outubro 24, 2004

Detesto, mas detesto mesmo, quando temos que passar uma imagem de mulheres maduras, independentes e seguras quando estamos a tremer como varas verdes por dentro.


Há fins-de-semana.
E há "O" fim de semana. Um grande bem hajam a todos os que lá estiveram. Eles sabem quem são.

outubro 21, 2004

Está na altura de fazer CTRL ALT DEL.

Bom fim de semana a todos.

Até Domingo
.

outubro 20, 2004

Interioridades

Ao longo da minha vida tenho constatado a passos regulares que , na província, se consegue ter uma melhor qualidade de vida do que nas grandes cidades. Não vou sequer expôr aqui as razões, esse assuto já vou larga e várias vezes debatido por mim com alguns dos leitores regulares do que para aqui escrevinho.

O que me leva a escrever estas linhas é constatar que, ao longo dos últimos tempos, tenho vindo a mudar de opinião: que se lixe o stress!
Estou farta de viver numa terra onde o comércio tradicional fecha para dar lugar a lojas de chineses.
Quero poder escolher todas as minhas futilidades como roupa e sapatos sem estar confinada a duas lojas decentes.
Quero viver num sítio onde possa ir ver o mar sempre que me apeteça sem ter que andar mais de 100 km.
Gostava de poder assistir a teatros, concertos, exposições, poder ver um filme no cinema a um domingo de tarde como qualquer comum mortal.
Quero passar na rua de forma incógnita sem que metade da cidade saiba que vou ali, àquela hora.
É pedir muito?

As diferenças entre as cidades de província e as grandes cidades são cada vez maiores e eu estou a deixar de gostar de viver aqui.

Naquele dia

Olharam-se nos olhos, revelando no olhar a saudade que sentiam um do outro. As mãos dele procuraram as dela e puxaram-na para o seu peito, num abraço apertado de cumplicidades adiadas. E ficaram assim largos minutos enquanto os outros, atónitos, entreolhavam-se à procura de uma explicação. Que não tiveram. Porque há emoções que não se partilham...
Subiram as escadas abraçados e entraram no quarto dela. Beijaram-se longamente. Naquele dia, pelos menos naquele dia, não olhariam para o relógio que, implacável, os privava da companhia um do outro. Tinham vencido distâncias geográficas e estavam ali, juntos, um só corpo.


O futuro não contava, naquele momento. Viveriam o presente com a intensidade de quem não sabe o amanhã, mas com a certeza de que o que sentiam era tão forte que já não podia ser escondido. Ou adiado.


E a porta fechou-se, silenciosamente, testemunha de um amor que bem podia ser eterno.

outubro 18, 2004

Tive o blogger aberto toda a noite e não me apeteceu escrever nada.
Há dias assim.



Correcção: apeteceu mas não o quis ver aqui exposto. Fica em draft até poder ser publicado.

outubro 17, 2004

Cumplicidades

Desci a rua, apinhada de gente, misturada na multidão como sendo um deles. A tarde estava soalheira, convidativa ao passeio como que numa despedida dos últimos raios de sol e as pessoas andavam devagar, coisa rara numa grande cidade. Parecia que todos tinham percebido que era um dia puramente para passear, descontrair.


À minha frente seguia um casal perfeitamente vulgar; à primeira vista nada os diferenciava de tantos outros pares que passeavam naquele local. Mas eles seguiram diante de mim largo tempo e, enquanto caminhávamos apercebi-me da cumplicidade com que conversavam rua fora. As mãos, essas, tocavam-se amiúde e, por vezes, davam o braço;gestos casuais de quem tem anos de intimidade.
Durante algum tempo lá segui atrás deles, sem escutar no entanto uma palavra das que trocavam. Era desnecessário, provavelmente seria conversa de circunstância.

Ao fundo da rua despediram-se com um beijo, ele seguia em frente e ela virava à direita. Tive que parar atrás deles, não havia espaço para passar, a multidão continuava a passear. Ela deu dois ou três passos no seu pergurso e ele chamou-a:
-Isabel?
Ela olhou-o, interrogativa.
E as palavras saíram mudas da boca dele, apenas o gesto feito pelos lábios:
_Gosto de ti.
E sorriram ambos, seguindo cada um o seu caminho.


Esta história passou-se há cerca de um ano, mas hoje lembrei-me dela, nem sei porquê. Há coisas que inexplicavelmente nos marcam e nos levam a acreditar que os grandes amores são possíveis... e feitos de pequenas coisas.

outubro 15, 2004

Labirintos

É muito mau quando uma folha em branco nos intimida. Normalmente convida a que nos estendamos para onde a caneta nos leva, muitas vezes numa viagem introspectiva que nos obriga a refectir e a clarificar ideias.

O que acontece é que por vezes as ideias estão de tal maneiras emaranhadas e confusas que não se conseguem dissociar de forma a que sejam transpostas para o papel de forma clara.

Há que pegar entrar numa ponta do labirinto ideológico e, lentamente, fazer com que frases comecem a soltar-se , lineares, escorreitas como caminhos percorridos e reconhecidos familiarmente.

Mas aí, pode acontecer uma coisa: não gostarmos das ideias que se soltam; não gostarmos dos caminhos que já percorremos. Não porque não tenhamos consciência delas anteriormente mas sim porque ao vê-las assim, sozinhas, abarcamos toda a sua dimensão de forma mais consciente e sentimo-nos incomodados. E lá voltamos a atirar a ideia para dentro da labirinto em que se transformou a nossa mente.

A folha volta a ficar em branco.Mas, lá no fundo, se espreitarmos bem, as ideias vão-se cruzando em jogos de sedução , reproduzindo-se velozmente e.... criando novas encruzilhadas. Não são é visíveis a todos os olhares.

outubro 14, 2004

Conclusões:

Obrigada a todos os que, através dos comentários, mail ou MSN me ajudaram a tomar esta decisão.
Vai um pouco contra os meus princípios mas nem sempre nos podemos reger estrictamente por aquilo em que acreditamos. Era bom que a vida fosse tão linear como isso.
Então isto vai ser assim, a partir de agora:

1- Os comentários do Blogantes começaram, a partir de hoje, a ser moderados.
2- Os critérios de moderação serão exclusivamente meus.
3- Quaisquer críticas e/ ou sugestões deverão ser direccionadas para o mail do blog, blogantes@hotmail.com e não deixadas nos comentários.
4- Quaisquer referências a assuntos privados não serão permitidos e , como tal, apagados.
5- Reservo-me também o direito de barrar ou banir os Ip's que repetidamente violem estas linhas de conduta.

Obrigada por me aturarem e beijos àqueles que sabem que os merecem :-)

outubro 12, 2004

Ponto da situação

Referi por diversas vezes como sou contra o apagar de comentários nos postes. Recentes acontecimentos levaram-me a repensar esta minha opinião.
Assim, brevemente uma de três coisas pode acontecer:
1 - Não permitir comentários aqui.
2 - Começar a editar e/ou apagar alguns comentários.
3 - Encerrar o blog.

Sinceramente, neste momento inclino-me mais para a terceira hipótese. Depois darei conta aqui da minha decisão, aos poucos que possam estar interessados. Até lá, não há posts.

outubro 10, 2004

Compras

O carro desceu para o estacionamento subterrâneo, já lotado àquela hora matinal. Suspirou. Detestava aquele sítio, cada vez mais. Procurou um lugar durante longos minutos e por fim encontrou um escondido atrás de um poste. Assim que saiu do carro, foi invadida por um ar quente e húmido, abafado, que cheirava a gasolina e a óleo de carros. Sentou-se a transpirar.Lá se ia o banho acabado de tomar, pensou. Avançou em passo apressado para as escadas rolantes. Sabia exactamente o local que procurava, afinal o que vinha comprar nem era para ela e as indicações tinham sido precisas.


À medida que subia as escadas rolantes, verificou que lá fora se tinha instalado um temporal de chuva e vento, que convidava às previsíveis tardes de centro comercial em tempo de chuva do cidadão típico. Tinha que se apressar.
Os corredores já pupulavam de gente, a maioria sem quaiquer sacos de compras as mãos, transeuntes que passeavam sem destino numa amálgama humana. Famílias inteiras, pessoas sozinhas, cruzavam-se sem se reconhecerem, sem trocarem uma palavra. E assim seria o dia inteiro, a semana, o mês, o ano, a vida...
Vidas que passam sem que as pessoas se olhem, se sorriam, se falem.


Noutras, porém, sentia-se a cumplicidade de quem sabe exactamente o que o outro está a pensar sem que seja preciso trocarem-se palavras. Adivinhava-se o toque furtivo num roçar de mãos, como que a dizer "estou aqui", acompanhado de um sorriso disfarçado. Todos estes, curiosamente, tinham sacos de compras ou caminhavam com um objectivo definido. Pessoas que não estavam ali por estar, que têm um lugar mais agradável para onde ir depois de sair dali.
Comprou o que lhe tinha sido pedido e saiu da loja, preparando-se para caminhar de novo em passos rápidos para o carro. Mas parou, de repente, no meio da multidão. Lá fora, a chuva batia nas clarabóias cada vez com mais intensidade. Mais ninguém tinha parado, só ela, e a multidão tinha-se intensificado.


E, de repente, percebeu como pode alguém sentir-se verdadeiramente só no meio de uma multidão.

outubro 06, 2004

Até logo...

Deixem-se ficar, façam de conta que estão em vossa casa, limpem os pés à entrada e apaguem as luzes quando saírem.
Eu volto sábado ou domingo.

Cristais



Não, não se desfazem ao mais pequeno toque. São fortes, duros, aguentam grandes embates. A sua fragilidade é apenas aparente. Pouco maleáveis, também. Quem quiser que tomem outras formas tem que os saber trabalhar. Porque preferem quebrar a torcer. Até na quebra têm a sua dignidade e transformam-se em pequenos pedaços brilhantes e belos.
Mas, trabalhados por quem saiba e os mereça, têm o seu apogeu no esplendor da luz.
E erguem-se em toda a sua beleza para quem os quiser admirar; imponentes, magníficos.
Prontos a serem amados...apenas por quem os merece.

outubro 04, 2004

Quinta das Celebridades

Se vi? Claro que vi!
Não vou sequer entrar aqui em questões éticas, culturais ou sequer humorísticas.
Aquilo é apenas um conjunto de pessoas pseudo célebres juntas na mesma casa de campo. Apenas isso.
Quem quer vê, quem não quer, que mude de canal. Deixem-se é de intelectualismos idiotas.

outubro 03, 2004

A festa

Sentou-se no carro e conduziu em direcção à festa. A concentração na condução ajudava-a a concentrar, também, os pensamentos e as ideias. Apesar do adiantado da hora, alguns carros cruzavam-se com ela, quem sabe condutores solitários, também, em busca de paz de espírito. Foi das primeiras a chegar, o que a incomodou. Queria ter passado despercebida, esconder-se num canto escuro para que não dessem por ela. Rapidamente, a casa encheu-se de gente e ela foi deambulando, de sorriso maquinal no rosto e copo na mão, tendo conversas de circunstância com pessoas que mal conhecia. Não se sentia à vontade, como nunca se sentiu nestas ocasiões. Desejou não ter ido, mas era tarde para dar meia volta e desaparecer.


Afastou-se lentamente, pelo jardim às escuras, com a segurança de quem conhece bem o caminho. E sentou-se num banco, observando o movimento ao longe, a música entrecortada pelo barulho abafado das conversas que iam subindo de tom; descalçou-se , afastando os sapatos que a incomodavam e deitou-se no banco, a contemplar as estrelas daquela noite quente de Outono. Não fazia mal ficar um bocadinho ali, pensou, não dariam pela sua falta.
Vencida por noites e noites de insónia, adormeceu sem dar por isso. Não sabe quanto tempo dormiu, mas acordou com frio,tapada com um casaco que não era seu e com a sensação de estar a ser observada. Ele estava sentado na ponta do banco, a olhar para ela com um sorriso nos lábios. Pegou-lhe na mão e ajudou-a a sentar, enquanto a aconchegava num abraço apertado. Sorriram, olhos nos olhos, numa cumplicidade de quem não precisa de palavras para descrever o que sente. E ficaram assim uns instantes, como se o tempo parasse naquele momento para sempre.
" Vamos para casa?"_ perguntou ele.
Ela acenou e levantaram-se em uníssono, caminhando de mãos dadas pelo caminho de pedras soltas. De repente, ela lembrou-se que estava descalça e virou-se , com a menção de voltar para trás.


E viu-se ainda a dormir, descoberta,os sapatos pousados ao pé do banco e com um sorriso nos lábios...
"Não." _ disse ele. " Tu vais comigo..."

outubro 01, 2004

Emoções


Sentou-se à secretária e olhou intimidada para a folha branca à sua frente. Tinha tanto para dizer mas, estranhamente, não conseguia passar para o papel o que a perturbava. Aprendeu cedo que a intimidade não se mostra assim, a estranhos, apesar de escrita; muito menos a conhecidos ávidos de pormenores, prontos a dissecar e analisar erroneamente frases soltas. Mesmo escrevendo na terceira pessoa, os pormenores seriam facilmente identificáveis.
Mas as coisas muito más que a perturbavam e que a enchiam de raiva continuavam lá. E as boas estavam à espreita mas faziam com que se sentisse triste, porque distantes. Precisava mesmo de desabafar.
Poisou as mãos na folha e fechou os olhos. E, de repente, as palavras foram nascendo dos dedos ágeis, nervosos, num rodopio de palavras que nem tinha tempo de reler. Transpôs-se para aquele pedaço de papel e deixou que o íntimo falasse.
Depois, meteu a folha numa gaveta secreta da secretária. Porque há coisas que não se mostram a ninguém. E sorriu, enquanto escondia a chave.