dezembro 29, 2004

Vidas

Hesitei muito antes de escrever este post.
Depois de o acabar, este blog estará indissociavelmente ligado à minha vida.
Pensei escrevê-lo como forma de aclarar as ideias e deixá-lo em rascunho, mas decidi publicá-lo. Será uma espécie de diário que, como todos os diários, não se sabe o dia em que acaba. Nem a forma como vai acabar.

Faz hoje precisamente duas semanas que o meu único irmão, 37 anos, pai de dois filhos e com o terceiro a caminho, advogado, foi internado no hospital daqui com um diagnóstico de pancreatite aguda.

Está neste momento num hospital em Lisboa com um quadro clínico complicado, em que a taxa de sobrevivência é menor a 10 %. O meu mano pode estar a morrer no preciso momento em que escrevo estas linhas. É demasiada exposição num blog público, eu sei. Mas partilhar a dor camufla-a, por vezes. Engana-a.

Passei a noite de Natal nas urgências desse hospital. Vi sofrimentos maiores que o meu. E vi desde o início de tudo isto, a dedicação de todas aquelas pessoas que lá estavam por terem que trabalhar , mesmo preferindo estar com as famílias. Eu sou suspeita. Também sou profissional de saúde. Mas tenho ouvido, ano após ano, falar da desumanização dos serviços a nível dos hospitais centrais. É mentira. Um tremendo engano. Encontrei equipas coesas, incansáveis,competentes, frontais, prontas a ouvir as nossas dúvidas e sempre com tempo para nos esclarecer. E que sei que estão a dar tudo por tudo para que o meu mano se salve.

80 000 pessoas morreram e eu mal presto atenção às notícias. Por causa de uma única pessoa. Não consigo sentir pena, a não ser da minha cunhada grávida,dos meus sobrinhitos prestes a ficar sem pai e dos meus pais, também com problemas de saúde, que não merecem ter que passar por isto. Pode-se chamar a isto egoísmo?
Não consigo sequer ter pena de mim...

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