abril 17, 2005


Os olhos fechados, o corpo deitado, imóvel.
Ouvia a chuva a cair lá fora, mas não conseguiu perceber se tinha frio ou calor.
Pessoas à sua volta tinham, em surdina, conversas que ela,apesar de tudo, conseguia ouvir na perfeição.
Num canto distante da sala, soluços entrecortados por um choro baixo que lhe era familiar fez com que tentasse abrir os olhos. Em vão. Quis então levantar-se, mas não conseguiu mexer-se um milímetro que fosse. Estranhamente, isso não a incomodou. Sabia que tinha que ser assim.
Conhecia uma a uma as pessoas que se aproximavam dela,que lhe faziam festas no rosto, que a beijavam com lábios quentes, ao de leve. Tinham todas os lábios quentes, o que a fez perceber que estava fria.

Queria poder mostrar que estava ali , que os ouvia, que gostava deles, mas não sabia como. Começou a sentir-se prisioneira do seu próprio corpo e percebeu que tudo iria acabar ali.
Reviu mentalmente toda a sua vida, os erros que tinha cometido, as escolhas erradas que tinha feito, os anos e anos de uma vida vivida de forma passiva até que, ao aperceber-se de que tudo tinha sido feito de forma errada, se viu envolvida num turbilhão de emoções e sentimentos que não conseguiu controlar e tiveram como resultado aquele desfecho.

Queria muito começar tudo de novo, poder voltar atrás; mas sabia que isso era impossível. Que, se lhe fosse dada essa hipótese, provavelmente cometeria exactamente os mesmos erros. E que estava ali deitada, supostamente em paz. Mas paz era a única coisa que não sentia naquele momento. Tentou levantar-se, gritar, saltar , berrar a plenos pulmões: Eu estou aqui, não falem de mim como se não estivesse!!
Nada. Nem um músculo se moveu.

De repente, a chuva parou. Fez-se silêncio na sala. Ouviu passos a entrar, passos esses que ela conhecia tão bem. Duas pessoas, uma com passitos hesitantes, amedrontados de criança e outros mais pesados, mas igualmente assustados, de adolescente. Percebeu que choravam os dois, à medida que se aproximavam de si. Não queria os seus meninos a chorar, eles não podiam chorar, principalmente por sua causa. Quis desesperadamente abraçá-los mas percebeu mais uma vez que não iria conseguir.
Aproximaram-se e ela sentiu-os , um de cada lado, darem as mãos por cima do seu peito, como num abraço a três. Podem dar um beijo à mãe, se quiserem... disse uma voz também chorosa e perfeitamente familiar.

Sentiu as suas caritas aproximarem-se ao mesmo tempo do seu rosto. Tinha que ser agora. Eles tinham que sentir que ela não os tinha abandonado. Ao beijarem-na, as suas lágrimas, molharam o rosto dela. E foi então, com toda a força de que foi capaz, que duas lágrimas rolaram também dos seus olhos fechados. Eles ficaram a olhar, suspensos naquelas minúsculas gotas de água que lhe corriam pela face, até que se fundiram com as que eles lá tinham deixado.

E, no momento que as lágrimas se tornaram numa só, ela abriu os olhos e sorriu para eles.
A pequenita sorriu também e disse para o mais velho:
_ Estás a ver? Eu bem disse que a mãe estava só a dormir.

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