junho 21, 2004

Eternidade

Era um homem bom, daqueles a quem vulgarmente se chama "homem da terra". Viveu sempre na vila onde nasceu, com excepção de uns anos de juventude passados em Lisboa; para ajudar a construir a cidade, dizia. E para ficar a saber onde era o seu lugar: não na grande cidade, mas no lugarejo onde a mulher e os 2 filhos tiravam sustento do que plantavam e dos animais que criavam.Porque era da terra que viviam. Os filhos, esses, estudaram o que quiseram e onde quiseram; porque saber as letras é importante, não hão-de ser como eu e como a mãe, com esta idade e nem um jornal sabemos ler. Nas contas ninguém nos engana, mas os estudos fazem falta. Nem que para eles estudarem eu tenha que passar fome!

Mas não passou.

Por detrás do aspecto humilde de quem trabalha a terra com as mãos, de sol a sol, escondia-se um negociante arguto. Das pequenas hortas fez herdades e pinhais, construiu um património do qual se orgulhava.
Ao longo dos anos, era vê-lo feliz quando enchia a casa de filhos, noras, netos e depois bisnetos.Mesa farta, que aqui ninguém passa fome.
Viu partir um neto e a mulher e aguentou estoicamente, apesar de , com uma lágrima a dançar, dizer que a companheira me faz muita falta. Foi então que decidiu fazer as partilhas do património, porque quero ter a certeza que nenhum fica mal e que não se zangam.

Fez 94 anos em Fevereiro e juntou toda a família, mais uma vez, à volta da mesa; desta vez num restaurante porque a casa de família, já doada em partilhas, estava em obras. Obras essas que o enchiam de orgulho ah, caramba, como isto era e como isto está! Bonito de se ver...
Esperou que as obras estivessem prontas para dar por completa a sua missão.

E hoje resolveu juntar pela última vez toda a família.
Foi a enterrar ao fim da tarde, momentos antes de a selecção de futebol dar ao país o que este pediu.
Mas, por muito que tenha dado, não deu tanto como ele.
Um beijo, Avô António.
Até sempre.

4 Comentários:

Blogger Luisa Hingá disse...

O teu querido avô continuará a velar por ti onde quer que esteja miguinha. E também tinha orgulho em ti.
Que descanse em paz.
Beijinhos

12:58 da manhã  
Blogger RC disse...

:'(

Um beijo, Ana e coragem!

2:43 da tarde  
Blogger TheOldMan disse...

Faço minhas as palavras do RC. De qualquer modo, as palavras de nada servem nestas alturas...

8:51 da tarde  
Blogger JC disse...

È... há Homens e homens!!!
Há os que passam pela vida e há os que a vida por eles passa. Dos primeiros, ficam marcas da sua passagem. Dos segundos, só as passagens da marca os poderão fazer ser recordados. O teu avô António, deixou ficar marcas da sua passagem. Deixou-as pela familia a que deu continuidade, deixou-as pelas atitudes que tomou, deixou-as pelo que da vida conseguiu a partir do quase nada, deixou-as pela capacidade de deixar saudades. A saudade é, desde há muito, um sentimento que o nosso povo tão bem soube imortalizar. E quem, senão o povo, é imortalizado desde que as nossas raizes são contados em "histórias"? O teu avô António era, segundo as tuas palavras, um homem da terra e como tal um homem do povo... sim, porque a terra pertence ao povo. E o povo, entendo-o como todo aquele que é capaz de se fixar á terra, amar a terra e, como num outro post muito bem disseste, ganhar raizes nessa mesma terra. O teu avô enraizou... nos descendentes que gerou e que tal como tu o recorda com saudade. Esses sim, são os bem aventurados da vida. O teu avô voltou á terra, a deusa mãe de algumas culturas ou crenças, e acredito que neste momento, a terra lhe dará o colo que ele soube e fez por merecer. O teu avô morreu... viva o teu avô!!! A ti te cabe também, fazer com que a sua memória perdure. Nunca te lembres de o esquecer, nunca te esqueças de o lembrar. Um beijinho minha amiga, e dá continuidade á caminhada que ele percorreu...

11:35 da tarde  

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