Nada nela denunciava as suas intenções. Levantou-se à hora do costume para ir trabalhar. Vestiu-se talvez de maneira mais informal, mas isso nela também já se vinha tornando um hábito; gostava daqueles jeans velhos, já moldados ao corpo e daquela camisa branca; hesitou no calçado,acabando por escolher uma botas práticas. Apenas a grande e pesada mochila poderia causar alguma estranheza, mas meteu-a na mala do carro.
Foi trabalhar como de costume, bebeu café à mesma hora, falou às mesmas pessoas.
_ Estás bem disposta hoje, não?_ perguntou uma colega. Ela sorriu silenciosamente.
Final do dia. Até que enfim! As horas custaram-lhe a passar, apesar de não o ter demonstrado a ninguém. Meteu-se rapidamente no carro rumando ao destino planeado: aeroporto. Naquela hora de caminho, reviu mentalmente todas as emoções, todos os factos. Acelerou ainda mais, enquanto ia aproveitando para fazer um ou dois telefonemas.
_ G., estou? Olha, não devo ir trabalhar nos próximos dias, estou a ficar adoentada. Se eu não aparecer, não estranhem...
_ Mãe, olá... Olha, vou sair uns dias, tenho uma amiga doente...depois telefono. É, foi de repente, eu depois explico, beijos.
Na entrada do parque do aeroporto, toca o telefone. Era ele:
_Olá, estás boa?
( Conversaram e riram como de costume)
_ Vais no carro, é? Já a caminho de casa?
_É...
_ Vai com cuidado, então. Gosto de ti...
_ E eu de ti. Beijos.
Estacionou o carro e dirigiu-se ao balcão da TAP_ vendas de última hora.
_ Boa noite, quero um bilhete para o primeiro destino onde não seja necessário visto de entrada. Não importa onde.
A senhora ao balcão, olhou-a nos olhos e sorriu. Só com os olhos, também:
_ Eu sei exactamente o que pretende, querida...acredite que sei. Só de ida, presumo?
_ Exactamente. A volta é incerta, ainda.
_ Porta de embarque 22. Corra, que já fizeram a última chamada.
Atravessou o aeroporto a correr , ao mesmo tempo que sentia o telefone a tocar de novo dentro da mala. Não parou para o atender, o bilhete na mão já não lhe permitia retornos.
Chegou à porta de embarque no último minuto, entrou no avião, sentou-se e quando ia desligar o telefone, reparou que era ele quem lhe tinha tentado ligar momentos antes. Tinha deixado mensagem no voicemail. Desligou o telefone.
Fechou os olhos durante toda a viagem, não porque tivesse sono, mas sim porque queria descansar. Quando aterraram, saiu e sentiu-se imediatamente inundada por um ar quente e húmido. África, talvez... afinal, nem tinha olhado para o bilhete.
Ligou o telefone e só então ouviu a mensagem:
_ Olha, esqueci-me de te dizer uma coisa há bocado. Não era " gosto de ti". Era " gosto é de ti". Mas logo falamos, beijo. Adoro-te.
Sorriu, enquanto duas lágrimas lhe sulcavam o rosto. Ao longe, na gare, uma árvore de Natal iluminada esperava-a.
E percebeu que há coisas que, por muitos quilómetros se percorram, viajam sempre connosco.
Natais e Amores incluídos.