Respira fundo enquanto coloca o cinto de segurança. O avião, prestes a descolar, tornou-se há algum tempo uma rotina entre duas vidas distintas e os aeroportos são as fronteiras que as separam. Faz aquela viagem sempre dividida pela saudade quem fica para trás e a felicidade de que vai encontrar à sua espera. Até o medo de voar fica relegado para segundo plano, as centenas de horas de voo dão-lhe a tranquilidade das rotinas instaladas.
Já no ar, espreita pela janela. Sempre gostou de a cidade tornar-se, gradualmente, peça de um jogo de crianças cada vez mais pequeno até se tornar num puzzle de tal forma minúsculo que perde totalmente o nexo e a possibilidade de se completar. Formam-se retalhos de cores diferentes na paisagem, fragmentos de vidas anónimas.
Por cima das nuvens, fecha os olhos. O ruído surdo e constante dos motores embala-a. Apesar de saber que não conseguirá dormir, o apelo da introspecção que lhe é oferecida pelo simples acto de fechar os olhos atrai-a e fá-la perder-se em análises às quais sabe só o tempo oferecer resposta. Reabre-os no preciso momento em que o aviso de colocação do conto de segurança aparece, sinal de que a viagem está a terminar.
É das primeiras pessoas a sair do avião; transporta consigo a exígua bagagem de tantas e tantas viagens, reduzida ao mínimo por prática e experiência.
Atravessa o corredor da chegada sem olhar para os lados e passa indiferente no meio das centenas de pessoas que olham a porta de saída, expectantes. Não precisa de procurar, sabe que nesta viagem ninguém está à sua espera; quando chegar a casa, aí sim, será envolvida em beijocas e mimos.
Mas, quando fizer o percurso contrário e o aeroporto da partida se tornar o da chegada, sabe que ele estará à sua espera e dirá, baixinho, enquanto o abraça: Tinha tantas saudades tuas...
Fragmentos de duas vidas diferentes, duplos sentidos, dualidades que magoam.
O sonho de, um dia, transportar uma das vidas consigo no avião e juntá-la à outra.
E sentir-se completa.