Tenho uma dor de cabeça que não me larga desde ontem de manhã.
Como de costume, sou avessa a tomar medicamentos e cá me vou aguentando,entre queixumes e alívios momentâneos.
Hoje, com o calor que teima em não nos largar, a coisa agravou-se principalmente durante a tarde.
Na clínica, os meus doentes foram-se apercebendo que a minha boa disposição habitual não estava nos melhores dias e lá fui dizento o motivo, a uns e a outros.
Até que chegou a D. Ermelinda; esta querida senhora, viúva e doente antiga por achaques diversos, passou já a fazer parte da nossa mobília há alguns anos, com intervalos regulares para fazer
as termas e para visitar a filha, que vive em França; alturas em que, miraculosamente, se sente
melhorzinha ( tramóia pura, para que tenha da minha parte o aval para se ausentar).
Ora a D. Ermelinda,dizia eu, lá chegou com as costumeiras
dores nas cruzes mas,por circunstâncias várias, só me viu depois do tratamento feito e quando já estava de saída. Perspicaz, disse logo:
_ A Terapeuta hoje não está bem. Tá doentinha?
_ É só uma dor de cabeça, D. Ermelinda_respondi. Não me larga desde ontem.
_ Ai, que isso é quebranto que lhe deram! Pode ser por lhe quererem bem ou mal. Quer que lho tire? Chego a casa e faço já a reza; daqui a nada fica boa.
_ A D. Ermelinda não vai levar a mal, mas eu não acredito muito nessas coisas. Deve ter sido sol que apanhei no sábado, na piscina. Com este calor...
Mas muito obrigada na mesma.
E lá foi ela nada convencida e eu, perdida de dores e impaciente, enfiei com dois Ben U Ron no estômago.
Meia hora depois a coisa começou a melhorar e eu já tinha esquecido a conversa anterior. Toca o telefone.
_ Terapeuta, a D. Ermelinda quer falar consigo_ diz a recepcionista.
Lá atendi, saboreando entre risos o que antevia que se ia seguir:
_Então, tá melhorzinha?_ pergunta ela do outro lado da linha.
Conhecendo a peça como conheço, respondi: Estou sim, senhora!
Triunfante, disse logo ela: _ Não me vai levar a mal, mas eu cheguei a casa e fiz a reza na mesma! É que vocês, doutores, sabem muito dos livros mas da vida sabemos nós, os antigos!
E como perante factos não há argumentos, respondi: muito obrigada, D. Ermelinda!!!
;-)