O carro desceu para o estacionamento subterrâneo, já lotado àquela hora matinal. Suspirou. Detestava aquele sítio, cada vez mais. Procurou um lugar durante longos minutos e por fim encontrou um escondido atrás de um poste. Assim que saiu do carro, foi invadida por um ar quente e húmido, abafado, que cheirava a gasolina e a óleo de carros. Sentou-se a transpirar.Lá se ia o banho acabado de tomar, pensou. Avançou em passo apressado para as escadas rolantes. Sabia exactamente o local que procurava, afinal o que vinha comprar nem era para ela e as indicações tinham sido precisas.
À medida que subia as escadas rolantes, verificou que lá fora se tinha instalado um temporal de chuva e vento, que convidava às previsíveis tardes de centro comercial em tempo de chuva do cidadão típico. Tinha que se apressar.
Os corredores já pupulavam de gente, a maioria sem quaiquer sacos de compras as mãos, transeuntes que passeavam sem destino numa amálgama humana. Famílias inteiras, pessoas sozinhas, cruzavam-se sem se reconhecerem, sem trocarem uma palavra. E assim seria o dia inteiro, a semana, o mês, o ano, a vida...
Vidas que passam sem que as pessoas se olhem, se sorriam, se falem.
Noutras, porém, sentia-se a cumplicidade de quem sabe exactamente o que o outro está a pensar sem que seja preciso trocarem-se palavras. Adivinhava-se o toque furtivo num roçar de mãos, como que a dizer "estou aqui", acompanhado de um sorriso disfarçado. Todos estes, curiosamente, tinham sacos de compras ou caminhavam com um objectivo definido. Pessoas que não estavam ali por estar, que têm um lugar mais agradável para onde ir depois de sair dali.
Comprou o que lhe tinha sido pedido e saiu da loja, preparando-se para caminhar de novo em passos rápidos para o carro. Mas parou, de repente, no meio da multidão. Lá fora, a chuva batia nas clarabóias cada vez com mais intensidade. Mais ninguém tinha parado, só ela, e a multidão tinha-se intensificado.
E, de repente, percebeu como pode alguém sentir-se verdadeiramente só no meio de uma multidão.